A ARQUITETURA DE VAZIOS E DE SOMBRAS DE EVANDRO SOARES
Evandro Soares é um artista guiado por saber intuitivo que se faz pela vivência na construção do espaço e na elaboração da forma. De origem afro descendente, oriundo da camada simples da população brasileira à qual é negado o acesso ao conhecimento académico, teve que começar a trabalhar muito cedo para ganhar a vida, e ainda jovem tornou-se artesão serralheiro dedicado ao ofício. Foi esta experiência profissional que deu base e estofo para a estruturação formal, técnica e poética de sua obra.
Evandro Soares faz uso inteligente do saber artesanal extraído da serralharia para elaborar seu trabalho, que é distante da estética popular e próximo do raciocínio erudito das vertentes geométricas construtivas, reducionistas e minimalistas dedicadas à investigação da autonomia da forma e do espaço plástico. Pautadas no rigor e na assepsia formal, suas operações são económicas e com poucos elementos: plano, linha, luz e sombra.
O espaço arquitetônico da sua obra é construído pela fina linha de metal pintado de preto que se projeta do suporte, e se prolonga por meio de outra linha da mesma espessura desenhada a nanquim sobre a superfície; a forma fixada perpendicularmente ao suporte ao receber a luz lança sua sombra sobre a alvura do fundo, provocando o embaralhamento das perspectivas e agindo como multiplicadora da visão.
Na sua produção a noção de desenho expandido advém do hibridismo das categorias que acciona o trânsito entre o desenho e o objecto e a instalação. Trata-se de um desenho que se aliena da tradição, com mancha gráfica mínima e subtil, com corpo próprio avançando no espaço tridimensional e expandindo-se no espaço bidimensional, ora como matéria ora como sombra. Desenho sem lugar fixo tal como as escadas suspensas que acessam a cómodos disfuncionais e que ligam o alto ao baixo e vice-versa, tal como cubos que confinam espaços
disfuncionais de habitar e de falar (como os balões usados nos desenhos HQ), formas que se repetem, se ligam e travam conversações entre si, levando o espectador a percorrer a obra com o movimento silencioso do olhar que se surpreende com o engenho da ilusão.
A produção de Evandro Soares sugere uma arquitectura frágil, aberta, vazada e vazia, cujo lugar é o deserto branco do suporte. Uma arquitectura de filamentos, simples e complexa simultaneamente, habitável apenas pela percepção e pela imaginação. Seja dentro do espaço da moldura como desenho-objeto seja diretamente afixada na parede como desenho instalação, a sua obra planeja um lugar nenhum, possível apenas por meio da arte que refaz nosso conceito de mundo.
Embora próxima à linguagem construtiva a geometria de Evandro Soares não é fria e possui proposições de significados que aquela negava. Advinda de um conhecimento empírico ela se contorce na construção desse lugar nenhum que sobe e desce, se expande e se contrai, se fecha e se abre num movimento contínuo. É uma geometria que nasce da intuição, se configura como projecto despretensioso sobre um papel e se concretiza pelo exercício da solda e do desenho. A arquitectura construída por essa geometria apesar de inabitável e vazia suscita questionamentos e possibilidades de interpretação.
As escadas com andares descompassados que se estreitam na parte inferior e se alargam na superior introduzem as ideias de ascensão e de risco de queda no trajecto. No Brasil historicamente esclavagista e racista, que relega aos afrodescendentes a faixa inferior da sociedade, o artista negro não possui os mesmos meios de ascensão cultural e social que o artista branco vindo de extractos sociais mais elitistas, que dispõe de amplos recursos para produzir e fazer circular sua obra. Na maioria dos casos o artista negro vive da adversidade, trabalha em um lugar nenhum na quase invisibilidade e na margem do circuito de arte, sob o risco constante de cair ainda mais um degrau. Os mecanismos de subida, de acesso, de passagem propostos pela obra de Evandro Soares podem ser metáforas do processo de reacção social e cultural dos que até bem pouco tempo estavam silenciados publicamente no meio de arte. É uma arquitectura de natureza subtilmente política.
Divino Sobral
Evandro Soares is an artist guided by an intuitive knowledge made by his unique way of living the construction of space and shape. Being an African descendant he was raised in an family that was unable to give him an education. Therefore, he had to begin working during his youth. He was a dedicated locksmith artisan. This experience allowed him to have the basics and the skills for the technical, formal and poetic work.
Evandro makes an intelligent use of his experience which is far from the rudimentary knowledge of popular aesthetics and close to the erudite geometrical, reductive and minimalist reasoning, which investigate the autonomy of form and plastic space. His constructions are rigorous and formally aseptic and use a few elements: plan, line, light and shade.
The architectonic space of his work is built by the thin line of black painted metal which is projected in the support and is extended through another line from the same thickness, drawn in Indian ink at the surface. When the form, which is perpendicularly fixed to the basis, receives the light, it throws its shade to the brightness of the background, creating mixed perspectives and acting as if the vision was multiplied.
In his production the notion of expanded design comes from the hybridism of the categories that trigger the traffic between drawing, object and installation. It’s a drawing that is far from tradition, having a minimal and subtle graphic spot, with its own body advancing in the tridimensional space and expanding itself in the two-dimensional space either as matter or as shade.
It’s a drawing without a specific place, as the suspended stairs which lead to «cómodos disfuncionais»; and connect the low with the high and vice-versus as cubes that close dysfunctional spaces of living and speaking (as the balloons used in the HQ designs). Forms that are repeated united and prevent any type of conversation between them, making the spectator look at the work by using the silent movement of the vision, which is surprised by the ingenuity of illusion.
Evandro Soares´s production suggests a fragile, open and empty architecture, which place is the white desert of the support. It´s an architecture of strands, simple and complex simultaneously, living only by the perception and the imagination. Even if the work is inside a frame as a drawing-object or directly hanging on the wall as a drawing- installation, it plans nowhere, only possible through the art which redoes our concept of the world.
Although it’s close to the constructive language, his geometry is not cold and has many meanings t rejected by language. Coming from an empiric knowledge, his geometry contorts in the construction of that nowhere that goes up and down, expands and retracts, closes and opens itself in a continuous movement. It´s a geometry that is born from intuition, becomes an unpretentious object on a paper and is fulfilled by welding and drawing. The architecture built by that geometry, despite being uninhabitable and empty, makes people think and find various possibilities of interpretations.
The stairs with floors that are not “compassed”; and become narrow downstairs and wider upstairs make an introduction to the ideas of ascending a risk of fall.Brazil, country with a history of slavery and racism, doesn´t socially value afro-descendants, and black artists don´t have the same chance of social and cultural ascension as white artists belonging to an elite and having the economic means to produce and divulge their work. In the majority of the cases, black artists live a difficult life, their work is not visible and they are not at the centre of the circle of arts, being at risk of falling one more step. Mechanisms of ascension, access and passage proposed by Evandro Soares´s work can be metaphors of the process of social and cultural reaction of those who were until now silenced in the artistic circle. It´s architecture of a subtle political nature.
Divino Sobral
Evandro Soares es un artista guiado por la intuición y por la vivencia en la construcción del espacio y en la elaboración de la forma. De origen afrodescendiente y perteneciente a las clases más humildes del pueblo brasileño, al que tradicionalmente se le ha negado el acceso al conocimiento académico, tuvo que comenzar a trabajar muy temprano como herrero artesano para ganarse la vida. Fue esta experiencia profesional la que dio cuerpo a la estructuración formal, técnica y poética de su obra.
En su procedimiento artístico, Evandro hace un uso inteligente del saber artesanal procedente del mundo de la forja, lejos de la estética popular y más próximo al raciocinio erudito de las vertientes geométricas constructivas, reduccionistas y minimalistas dedicadas a la investigación de la autonomía de la forma y del espacio plástico. Pautadas en el rigor y en la asepsia formal, sus operaciones son económicas y con pocos elementos: plano, línea, luz y sombra.
El espacio arquitectónico de su obra es construido por la fina línea del metal pintado de negro, que se proyecta desde el soporte y se prolonga mediante otra línea de la misma espesura dibujada a tinta sobre la superficie; al recibir la incidencia de luz, la forma fijada perpendicularmente al soporte lanza su sombra sobre la albura del fondo, provocando la confusión de las perspectivas y actuando como agente multiplicador de la visión.
En su producción, la noción del dibujo expandido adviene del hibridismo de las categorías que acciona el tránsito entre el dibujo, el objeto y la instalación. Se trata de un dibujo que se enajena de la tradición, de mancha gráfica mínima y muy sutil, con cuerpo propio avanzando en el espacio tridimensional y expandiéndose en el espacio bidimensional, bien como materia bien como sombra. Dibujo sin lugar fijo como las escaleras suspensas que acceden a cómodos disfuncionales y que une el alto al bajo y viceversa, como cubos que confinan espacios disfuncionales de habitar y de hablar (como en los bocadillos usados en los dibujos HQ), formas que se repiten, se unen e impiden conversaciones entre sí, llevando al espectador a recorrer la obra con el movimiento silencioso de la mirada, sorprendida por el ingenio de la ilusión.
La producción deEvandro Soaressugiere una arquitectura frágil, abierta, derramada y vacía, cuyo lugar ocupa el desierto blanco del soporte. Una arquitectura de filamentos simples y complejos a la vez, habitables sólo por la percepción y la imaginación. Bien sea dentro del espacio de la moldura como dibujo-objeto o bien directamente fijada en la pared como dibujo-instalación, su obra no parece planear sobre un lugar concreto, posible sólo a través del arte, capaz de rehacer y rediseñar nuestro concepto del mundo.
Aunque próxima al lenguaje constructivo, la geometría de Soares no es fría y posee proporciones de significados que aquel negaba. Advenida de un conocimiento empírico, se contrae en la construcción de ese no-lugar que sube y desciende, se expande y se contrae, se cierra y se abre en un movimiento continuo. Es una geometría que nace claramente de la intuición, se configura de manera no pretenciosa como un proyecto sobre papel y se concretiza mediante el ejercicio de la soldadura y el dibujo. La arquitectura construida por esa geometría, a pesar de inhabitable y vacía, suscita cuestionamientos y posibilidades de interpretación.
Las escaleras con rellanos descompasados que se estrechan en la parte inferior y se ensanchan en la superior, aluden al acto de la ascensión y al riesgo de quedarse atrapado en el trayecto. En Brasil, históricamente esclavista y racista donde aún hoy se relega a los afrodescendientes a los estratos inferiores de la sociedad, el artista negro no posee los mismos medios de ascensión cultural y social que el artista blanco, perteneciente a las clases más elitistas y que dispone de amplios recursos para producir y hacer circular su obra. En la mayoría de los casos, el artista negro vive de la adversidad, trabaja en cualquier lugar, en la casi invisibilidad y al margen de los circuitos del arte, bajo el riesgo constante de caer a un escalón inferior.
Los mecanismos de subida, de acceso y de pasaje propuestos por Soares en su obra podrían considerarse metáforas del proceso de reacción social y cultural de los artistas que, por su condición racial, han vivido bajo el desamparo del silencio y el olvido la práctica de su manifestación artística, ajenos a los circuitos del arte contemporáneo oficial. Se trata pues de una arquitectura sutilmente política.
Divino Sobral
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